terça-feira, 29 de março de 2016

A Sebenta do Inspector Policarpo #2

Baleia Caçada em Terra


Hmm… Sempre tive esta dúvida: as baleias caçam-se ou pescam-se?
Gregório Policarpo, Inspector da P.J. 


Jorge Neves abanou ligeiramente a cabeça em discreto sinal de espanto. Mesmo após tantos anos como inspector da Polícia Judiciária nunca se havia deparado com qualquer homicídio perpetrado com um arpão. Até agora.


O corpo de Roberto Baleia, vice presidente do Azores Yacht Club de Aveiro, espetado à parede do Salão Nobre do clube como se de um insecto numa tábua de cortiça se tratasse, não era uma visão agradável.

Neves e as outras pessoas, reunidas à volta de uma mesa dessa mesma sala, estavam visivelmente mais à vontade agora que a medicina legal removera o cadáver. O seu parceiro, o Inspector Gregório Policarpo, recusara sentar-se e deambulava com ar taciturno pela divisão, meio atento à conversa.

- O falecido Sr. Baleia foi então encontrado às seis e meia da manhã pelo contínuo e pelo cozinheiro, que aqui chegaram juntos - recapitulou Jorge. - Ligaram-lhe logo a si, Sr. Hélder, que de seguida ligou para o 112 e para os restantes membros da direcção.

- Um resumo correctíssimo, senhor Inspector - disse, nervosamente, Eduardo Hélder, o presidente do clube. - Só de pensar que tínhamos todos estado com ele ontem numa reunião de direcção nesta mesma mesa… Até tenho calafrios.

- E a que horas foi essa reunião? - perguntou Policarpo aproximando-se.

- Bem, eu dei início à sessão às sete e meia e encerrámos duas horas mais tarde. Para além de mim estavam presentes o Roberto, claro, o seu irmão Celso que é o nosso tesoureiro; a dona Dália Marcondes, nossa secretária; o Diogo Lobo-Antunes, nosso conselheiro legal; e ali a Doralice Canedo, nossa vogal.

- Quem foi o último a sair? - Neves garatujava uns apontamentos rápidos no seu bloco.

- Saímos todos mais ou menos juntos - respondeu Doralice Canedo. - Eu e o Eduardo ajudámos o Sr. Roberto e o Sr. Celso a entrarem nos respectivos carros. Ambos sofrem de artrite ao nível dos joelhos e precisam sempre de ajuda a subir e a descer escadas e a entrar e sair dos carros.

- Que idade tinha o seu irmão, Sr. Baleia?

- O Roberto tinha setenta e dois anos - esclareceu Celso Baleia, um homem baixo, queimado do sol e com uma voz trémula. - Eu sou três anos mais novo.

- Foi directo para casa?

- Sim. E antes que pergunte, vivo sozinho. Apesar da idade cá vou andando o melhor que posso. Ao menos ninguém me atrapalha a vida.

- E o Sr. Hélder? Directo a casa? E o Sr. Lobo-Antunes? Dona Marcondes? Menina Canedo? - Todos responderam o mesmo: finda a reunião foram directos para as respectivas casas de onde não voltaram a sair. Floriana Lobo-Antunes, uma trintona alta, ergueu cuidadosamente a mão.

- Eu não estive na reunião, Inspector. Sou chefe de mesa no Cesto da Gávea, um restaurante aqui perto. Estive a trabalhar até às dez e meia e cheguei a casa por volta das onze. O Diogo já lá estava.

- A senhora é a esposa do Sr. Lobo-Antunes, não é? - perguntou Policarpo.

- Correcto. Mas também sou sobrinha dos meus tios Roberto e Celso, por isso é que tive de vir cá falar com os senhores. Não foi, querido? - disse ela, virando-se para o marido.

- Pelo menos assim o quiseste, meu amor - atirou, amuado, o diminuto advogado.

Neves levantou os olhos para o companheiro que observava a pistola de arpões. Esta tinha sido novamente montada sobre a lareira de pedra para que os investigadores tivessem uma ideia mais precisa do local antes do crime. Não foram encontradas impressões digitais na arma.

- É um objecto fora do normal - pensou alto, mais para o amigo que para os restantes, - não chega a meio metro de comprido.

- É um verdadeiro tesouro de família! - declarou Celso Baleia. - A pistola foi inventada pelo Capitão João Baleia do baleeiro Sant’Ana. Só ele a conseguia disparar. Foi emprestada aqui ao clube há já muitos anos, completa com um arpão sem corda.

- Não pensaram nos riscos de terem aqui uma arma real? - Policarpo dirigia-se ao Sr. Hélder.

- A pistola só pode ser disparada depois da activação de alguns interruptores que estão no topo - respondeu o presidente atabalhoadamente. - A sequência correcta é um segredo da família Baleia, passado de geração em geração. Achei que isso servia como segurança.

Celso Baleia aquiesceu tristemente.

- Estou a ver - Policarpo coçou o queixo pensativamente. - Quem gere o dia-a-dia do clube, Sr. Hélder?

- Eu. Mais uma das minhas funções como presidente.

- O edifício estava trancado quando o cozinheiro e o contínuo chegaram esta manhã. Quem tem chaves para estas portas?

- Para além de mim, só o contínuo, os irmãos Baleia e a Dália. Normalmente o contínuo é sempre o primeiro a chegar.

Jorge levantou-se emprestando as suas notas a Gregório. Reviram silenciosamente os factos constatados. O médico-legal deu como estimativa da hora do óbito as dez e um quarto. A cadeira situada mesmo em frente à lareira tinha uma pequena marca de lama seca no assento. A vítima tinha sido morta perto da porta que dava acesso à secretaria do clube, onde uma gaveta de arquivo estava aberta deixando entrever alguns ficheiros financeiros mal arrumados.

Os “Pê Jotas” sorriram um para o outro. Neves falou abruptamente para os presentes.

- Muito obrigado a todos. Podem ir. Depois entraremos em contacto convosco. Principalmente - sussurrou ao amigo - com o principal suspeito.

- Quem é que os inspectores consideram o seu principal suspeito?

- Quais os fundamentos dessa suspeita?

sexta-feira, 25 de março de 2016

A Sebenta do Inspector Policarpo #1 - Soluções

O Telefone das Más Notícias

- Comparando os vários testemunhos, quem mentiu?
Eurico Venceslau

- O que levou os inspectores a deslindar o caso?
O testemunho de Eurico sobre o casaco de lã.
Se Eurico viu o seu atacante apenas pelas costas, conforme afirmou, teria sido impossível distinguir o casaco de lã de uma camisola normal. Eurico estava obviamente a mentir.

Depois de pressionado pela PJ Eurico confessou, admitindo que ele e Vladimiro haviam encenado todo o rapto como forma de extorquirem dinheiro ao pai, sempre relutante em separar-se mesmo de pequenas maquias.

terça-feira, 22 de março de 2016

A Sebenta do Inspector Policarpo #1

O Telefone das Más Notícias


Num mundo cada vez mais “infectado” por meios de comunicação portáteis, receber um telefonema numa linha fixa só pode, com certeza, ser arauto de desgraças.
Gregório Policarpo, Inspector 


- Eu sei que devíamos ter chamado a polícia, - admitiu Eurico Venceslau resguardando um galo na nuca com a mão - mas o raptor disse que matava o meu irmão se informássemos as autoridades. E a verdade é que podíamos muito bem pagar o resgate.


Vladimiro Venceslau, filho primogénito de Jonas Venceslau, estava desaparecido desde terça-feira. Quarta de manhã, um indivíduo, identificando-se como único raptor, telefonou para a vivenda com um rol de exigências. O Venceslau mais novo (Eurico) teria de levar o dinheiro, em notas usadas de baixa denominação, num saco de desporto sem estampas. Foi-lhe detalhado o percurso que teria de fazer com o seu automóvel desde casa até um estacionamento pago da Baixa. Levaria depois o saco por uma quelha estreita da cidade que desembocava num parque infantil onde o deixaria dentro de um caixote do lixo.

Jonas Venceslau, apesar de conhecido sovina, prontamente e de bom grado aceitou os termos do resgate: pagamento à meia-noite, meio milhão de euros e nada de polícias.

- Eu estava mais ou menos a meio do beco - testemunhou Eurico - quando ouvi passos atrás de mim. Antes de me conseguir virar deram-me uma pancada seca na cabeça. Caí no chão mas não perdi logo os sentidos. Consegui ver as costas do gajo à luz do candeeiro de rua. Não sei dizer como era a cara dele porque não o vi de frente. Fugiu com o saco na mão. Era um tipo alto com sapatilhas brancas. Vestia calças de ganga e um casaco de malha de lã escuro. Peço desculpa mas não consigo ser mais específico.

Graças ao que apenas pode ser descrito como uma boa dose de sorte - raríssima na maioria dos casos criminais - um agente da PSP encontrou Eurico pouco tempo após o ataque. Reportou o crime e um carro-patrulha acorreu de imediato ao local. Dois indivíduos suspeitos, correspondendo à caracterização fornecida por Eurico, foram apreendidos nas proximidades.

- Então e agora é crime correr na rua? - declarou Pedro Bordão iradamente. Havia sido encontrado a duas ruas do local do ataque e desatou a correr assim que viu o carro da polícia. Pedro tem um longo cadastro de delitos menores - Estou em liberdade condicional mas levo uma faca no bolso. Para me proteger, é que há muito bandalho por aí à noite. Vê porque é que fugi?

O segundo suspeito é Arnaldo Amado, um sem-abrigo conhecido na zona.

- Epá, esta camisola nem sequer é minha! - protestou enquanto desabotoava um casaco de lã bastante usado - Encontrei-a no lixo antes de vocês me deitarem as unhas!

Gregório Policarpo e Jorge Neves, inspectores da PJ passaram uma última vistoria pelos apontamentos do caso antes de trocarem olhares. Policarpo dirigiu-se então a Jonas Venceslau. 

- Como lhe estávamos a dizer, não encontrámos o dinheiro na posse de nenhum dos suspeitos e… também não encontrámos o saco de desporto em lado nenhum. Mas eu e o meu colega temos uma ideia do que se terá passado. Não se preocupe, não tarda o seu filho está de volta a casa.

- Comparando os vários testemunhos, quem mentiu?

- O que levou os inspectores a deslindar o caso?

Uma Dose de Dados #03

Rubrica de considerações e ponderações demasiado prolixas sobre RPGs de mesa A Minha Estante: Star Ace Já se depararam com a express...