sexta-feira, 3 de maio de 2019

Uma Dose de Dados #03

Rubrica de considerações e ponderações demasiado prolixas sobre RPGs de mesa

A Minha Estante: Star Ace

Já se depararam com a expressão em inglês Old School Revival?

A sigla OSR é usada com frequência no marketing de RPGs para indicar que certo produto é uma reimpressão de um clássico ou altamente inspirado, ao ponto de emular, os estilos e proclividades desses ditos clássicos. A nostalgia, saudosismo e simples curiosidade dos revivalismos da velha-guarda fazem com que o entusiasta apaixonado, principalmente nesta era de distribuição digital, às vezes abra demais os cordões à bolsa povoando a sua biblioteca electrónica com curiosidades, raridades e estapafurdismos que nos saúdam com alegria dos anais da (relativamente) curta, mas vasta, história dos jogos de Role Play.

Star Ace Classic Set
RPG inspirado pelas aventuras de
Buck Rogers e Flash Gordon.

Para vosso gáudio - e não para sentir que estou a dar alguma utilidade a este meu coleccionismo obsessivo - envergo hoje umas figurativas lunetas na ponta do nariz e, de lampião em riste, enveredo pelas coleantes estantes do meu disco rígido, qual alfarrabista prospector, em busca de valiosos cartapácios... ou pelo menos de coisas engraçadas para mostrar.

Numa dessas prateleiras virtuais encontramos o Star Ace, um jogo dos anos 80, de ritmo solto, sobre aventuras temerárias no espaço sideral com um tom de ópera espacial da era do pulp dos anos quarenta: muita acção, muito melodrama, pouco rigor científico. Como diz o próprio produto "Este é um jogo de acção e aventura - não é um jogo de teorias e factos científicos. As teorias (ou factos) do paradigma científico actualmente aceite não são parte integral deste sistema de jogo."

O que é parte integral deste jogo são todas as bases necessárias para um(a) árbitro/a (ou CM, aqui chama-se Campaign Master) poder conduzir uma equipa de Ases Estelares numa missão em nome da Aliança Federada contra o enorme vulto do Império Galáctico enquanto a ameaça dos perigosos Xenófobos, que habitam o Núcleo da Galáxia, avança lenta mas seguramente para os subjugar a ambos.

Em termos mecânicos utiliza um sistema de resolução de tarefas com recurso a dados percentílicos (d100 - se não perceberem o que isto quer dizer leiam o anterior artigo desta rubrica aqui) e a uma tabela universal de resultados que vem nos manuais do jogo e no biombo de CM. Isso evita os cálculos complexos de alguns RPGs da época mas também significa que até interiorizarmos o uso da tabela, para cada tipo de acção tentada, o ritmo do combate fica aquém do desejável numa aventura com elevado grau de acção. Outro ponto negativo é a falta de novo material criado especificamente para este produto, uma vez que a empresa que o criou teve vida curta, ficando-se com a ideia de que o jogo original e as aventuras e suplementos publicados na altura eram apenas uma semente para um plano muito maior da parte dos autores.

Pacesetter System
Logótipo da empresa liderada
por John Rickets
Falando nos criadores, Star Ace foi originalmente publicado em 1984 pela Pacesetter Ltd, uma companhia de publicação - e oficina de criação - de jogos de mesa fundada por ex-profissionais da TSR (a editora original do Dungeons & Dragons) quando estes se viram sem emprego após a lendária empresa ter sido obrigada a despedir 75% dos seus recursos humanos para equilibrar contas. Uma história de empreendedorismo que não teve exactamente final feliz porque a Pacesetter fechou portas em 86 sem ter deixado grande marca no mundo dos jogos.

Haveria muito mais para dizer sobre este RPG (da Pacesetter falaremos mais no futuro) mas deixo ao vosso critério se a curiosidade ficou aguçada o suficiente para irem em busca de mais informações.

Peguem nas vossas pistolas laser, saltem para a carlinga da vossa nave espacial e façam esses dados rolar. Já sabem, há muitas coisas boas que se podem fazer em cima da mesa mas uma delas é jogar.

Até à próxima.🎲

quinta-feira, 4 de abril de 2019

Uma Dose de Dados #02

Rubrica de considerações e ponderações demasiado prolixas sobre RPGs de mesa 

Introdução aos dados escaganifobéticos - Bloco I

Sem qualquer ponta de ironia, ou tom depreciativo, dizia um criador de jogos de mesa que os RPGs são uma sofisticação das brincadeiras de recreio como "polícias e ladrões", "príncipes e princesas" ou "brincar às casinhas." Pondo de parte a afectação que vem à toa do termo "sofisticado", é inegável que as semelhanças entre o faz-de-conta e um RPG moderno terminam na complexificação deste último. É necessário introduzir no processo um sistema de regras que permita a resolução de acções de forma imparcial, (até certo ponto) aleatória e alguém que as faça cumprir sem facciosismos.

Mas ao contrário do que se possa pensar, as regras não foram colocadas sobre a parte narrativa e fantasiosa do jogo para servirem de estrutura mecânica à estória e adjuvarem a acção. Pelo contrário, os RPGs de mesa modernos, que evoluíram dos Jogos de Guerra, foram-se tornando mais narrativos com o avanço dos tempos seguindo as propensões de cada nova geração de jogadores (por isso é que os mais funcionais exemplos de RPGs minimalistas em regras ou sem qualquer tipo de figura arbitral são comparativamente recentes).

Conjunto padrão de dados para D&D
Desta herança dos jogos de batalhas com miniaturas, muitos sistemas mantêm a resolução de tarefas por lançamento de dados, debrucemo-nos portanto sobre estes fascinantes sólidos geométricos numa breve exposição de factos, que não trará nada de novo a veteranos do género, mas que colocará jogadores e não jogadores em pé de igualdade quanto à nomenclatura utilizada neste nosso hobby.

A palavra "dado" remete-nos, habitualmente, para o bom velho hexaedro regular (cubo para os amigos) que ostenta nas faces os algarismos de um a seis; mas no mundo dos jogos de tabuleiro/mesa o universo destas ferramentas de aleatorização de resultados é um pouco menos restrito.

Os dados poliédricos são uma presença vulgar nos laboratórios de matemática para ensinar os sólidos platónicos de uma forma mais interactiva, mas a sua verdadeira vocação lúdica é cumprida naqueles momentos em que são utilizados para verificar, por exemplo, se um ladrão de nível 3 consegue fugir à guarda da cidade saltando de um telhado para outro sem se estatelar no chão.

Precisamente para lidar com esses momentos, os RPGs trouxeram com eles uma nomenclatura própria ("emprestadada" do Wargaming) para que conseguíssemos rápida e facilmente nomear o tipo de dado que é preciso para um tipo específico de acção ou resultado. Seria custoso, e até um pouco ridículo, em todas as sessões de um jogo dizer coisas como:

"Acertaste no Orc Ensandecido com o teu montante. Lança um decaedro para determinar dano." ou "O sistema de cibersegurança da mega-corporação descobre-te no ciberespaço. Uma descarga eléctrica sobe pela ficha que liga o teu interface neural à consola. Recebes dois octaedros de dano."

Portanto os dados são abreviados para a letra d (de dado - surpreendente, não é?) seguida do número de faces planas que possuem (um dado cúbico tem seis faces, como tal, é um d6). Simples e eficaz.

Curiosidade: sabiam que alguns RPGs que usam resolução por "cara-ou-coroa" chamam às moedas, d2 (dado de duas faces)?

O inusitado d100
Apesar de cada sistema de Role Play poder ter os seus próprios requisitos em termos de tipo e número de dados necessários, devido à prevalência e fama do Dungeons & Dragons, o chamado conjunto base de dados para RPG a nível internacional é o conjunto de sete peças utilizado pela quinta edição das regras de D&D composto por d4, d6, d8, d10, d12, d20 e um d10 especial (abreviado d00, numa excepção ao que vimos acima) que, juntamente com o d10 normal, apelidamos de dados de percentil ou percentagem e que substituem o desajeitado - mas curioso - d100 no que toca a obter resultados que vão de uma unidade a uma centena (por esta razão o conjunto do d10 e d00 é também por vezes chamado d100).

E pronto, agora, quando ouvirem um jogador de RPGs dizer que a arma que comprou na última sessão provoca 3d6 de dano, já sabem que isso significa que ele/ela tem de lançar três dados de seis lados sempre que conseguir atacar com sucesso aqueles esqueletos malandros que estão sempre à espreita num cemitério coberto por um manto de neblina.

Até à próxima!

E não se esqueçam de fazer coisas boas em cima da mesa.
Como jogar, por exemplo.🎲

terça-feira, 12 de março de 2019

Uma Dose de Dados #01

Rubrica de considerações e ponderações demasiado prolixas sobre RPGs de mesa 

Pela toca do coelho adentro

Numa encruzilhada entre o teatro de improviso e os jogos de tabuleiro encontra-se esse fantástico exercício de imaginação, esse faz-de-conta regrado, o Role Playing Game de papel e caneta; e não há nada exactamente igual a um grupo de amigos reunidos à volta de uma mesa a encarnarem uma miríada de personagens fantásticas que vivem um sem-número de aventuras mirabolantes.
A génese de muita diversão,
acusações de satanismo e inspiração
de maus filmes com Tom Hanks

Da fantasia medieval de Dungeons & Dragons e Pathfinder, passando pelo horror cósmico de Call of Cthulhu, pelo futurismo decadente do Cyberpunk 2020, chegando até (caso nenhum universo pré-fabricado nos excite o imaginário) aos sistemas de RPG genéricos como o FATE Core ou Savage Worlds, existe uma infinidade - tão vasta quanto a nossa própria mente - de opções deste tipo de diversão.


Com ajuda de uma mão cheia de dados (das mais variadas cores e feitios) e da orientação sempre amistosa - ou não - do/da GM (do ing. game master; designação internacional pela qual são conhecidas as pessoas que dirigem/arbitram uma sessão de RPG, responsáveis por criar todo o ambiente que rodeia as personagens dos jogadores, por colocar obstáculos no caminho destas e por fazer aplicar as regras quando necessário), cada membro do grupo colabora para contar parte de uma estória onde interpretam papéis de relevo: aventureiros a desbravar cavernas repletas de tesouro enquanto tentam escapar às armadilhas e bruxarias de um carocho que quer usar os seus ossos como ingrediente para construir um filactério que o tornará imortal; mercadores espaciais acidentalmente envolvidos numa operação de contrabando que trará novo equipamento a um grupo de rebeldes que pretende destronar o tirânico império galáctico vigente; agentes da autoridade que tentam desesperadamente encontrar a família raptada do presidente antes que este assine o perdão de vários membros de um sindicato de crime organizado; amorais espiões industriais contratados por uma mega-corporação para roubarem os segredos da concorrência; detectives privados a investigarem um homicídio invulgar que depressa desemboca numa conspiração repleta de traições e ocultismo; etc.

Uma mescla de Júlio Verne
com H.G. Wells
A minha primeira incursão por este fantástico hobby, infelizmente pouco jogado em Portugal, foi no dealbar do novo século - nos idos áureos do mIRC - quando conheci um jovem norte-americano num canal dedicado, maioritariamente, à discussão e partilha de banda desenhada japonesa. Em conversa sobre vários temas geek acabou por me aliciar, juntamente com mais três pessoas, a jogarmos uma sessão do seu RPG favorito, Space 1889, passado numa época vitoriana alternativa em que as viagens espaciais e a colonização do sistema solar eram uma realidade.

Uma sessão sem exemplo tornou-se uma campanha que demorou quase três anos a terminar e após as nossas personagens terem rumado em direcção ao pôr-do-sol (na verdade roubaram um navio espacial e zarparam para fora do sistema solar - provavelmente acabaram perdidas e esquecidas na imensidão cósmica, mas vamos pensar que viveram felizes para sempre) apercebi-me que o "bichinho" do RPG estava firmemente plantado em mim. É com esse mesmo "bichinho" que vos quero também infectar, convidando-vos para abrirem a mente, darem asas à fantasia e me acompanharem todas as semanas - se a procrastinação e o ócio não levarem a melhor - em pequenas viagens pelo mundo dos RPGs de mesa. Talvez no futuro nos encontremos à volta de um mapa desenhado em papel quadriculado.

Não se esqueçam: há muita coisa boa que se pode fazer numa mesa, mas uma delas é jogar.

Até à próxima!🎲

Uma Dose de Dados #03

Rubrica de considerações e ponderações demasiado prolixas sobre RPGs de mesa A Minha Estante: Star Ace Já se depararam com a express...