Baleia Caçada em Terra
Hmm… Sempre tive esta dúvida: as baleias caçam-se ou pescam-se?
Gregório Policarpo, Inspector da P.J.
O corpo de Roberto Baleia, vice presidente do Azores Yacht Club de Aveiro, espetado à parede do Salão Nobre do clube como se de um insecto numa tábua de cortiça se tratasse, não era uma visão agradável.
Neves e as outras pessoas, reunidas à volta de uma mesa dessa mesma sala, estavam visivelmente mais à vontade agora que a medicina legal removera o cadáver. O seu parceiro, o Inspector Gregório Policarpo, recusara sentar-se e deambulava com ar taciturno pela divisão, meio atento à conversa.
- O falecido Sr. Baleia foi então encontrado às seis e meia da manhã pelo contínuo e pelo cozinheiro, que aqui chegaram juntos - recapitulou Jorge. - Ligaram-lhe logo a si, Sr. Hélder, que de seguida ligou para o 112 e para os restantes membros da direcção.
- Um resumo correctíssimo, senhor Inspector - disse, nervosamente, Eduardo Hélder, o presidente do clube. - Só de pensar que tínhamos todos estado com ele ontem numa reunião de direcção nesta mesma mesa… Até tenho calafrios.
- E a que horas foi essa reunião? - perguntou Policarpo aproximando-se.
- Bem, eu dei início à sessão às sete e meia e encerrámos duas horas mais tarde. Para além de mim estavam presentes o Roberto, claro, o seu irmão Celso que é o nosso tesoureiro; a dona Dália Marcondes, nossa secretária; o Diogo Lobo-Antunes, nosso conselheiro legal; e ali a Doralice Canedo, nossa vogal.
- Quem foi o último a sair? - Neves garatujava uns apontamentos rápidos no seu bloco.
- Saímos todos mais ou menos juntos - respondeu Doralice Canedo. - Eu e o Eduardo ajudámos o Sr. Roberto e o Sr. Celso a entrarem nos respectivos carros. Ambos sofrem de artrite ao nível dos joelhos e precisam sempre de ajuda a subir e a descer escadas e a entrar e sair dos carros.
- Que idade tinha o seu irmão, Sr. Baleia?
- O Roberto tinha setenta e dois anos - esclareceu Celso Baleia, um homem baixo, queimado do sol e com uma voz trémula. - Eu sou três anos mais novo.
- Foi directo para casa?
- Sim. E antes que pergunte, vivo sozinho. Apesar da idade cá vou andando o melhor que posso. Ao menos ninguém me atrapalha a vida.
- E o Sr. Hélder? Directo a casa? E o Sr. Lobo-Antunes? Dona Marcondes? Menina Canedo? - Todos responderam o mesmo: finda a reunião foram directos para as respectivas casas de onde não voltaram a sair. Floriana Lobo-Antunes, uma trintona alta, ergueu cuidadosamente a mão.
- Eu não estive na reunião, Inspector. Sou chefe de mesa no Cesto da Gávea, um restaurante aqui perto. Estive a trabalhar até às dez e meia e cheguei a casa por volta das onze. O Diogo já lá estava.
- A senhora é a esposa do Sr. Lobo-Antunes, não é? - perguntou Policarpo.
- Correcto. Mas também sou sobrinha dos meus tios Roberto e Celso, por isso é que tive de vir cá falar com os senhores. Não foi, querido? - disse ela, virando-se para o marido.
- Pelo menos assim o quiseste, meu amor - atirou, amuado, o diminuto advogado.
Neves levantou os olhos para o companheiro que observava a pistola de arpões. Esta tinha sido novamente montada sobre a lareira de pedra para que os investigadores tivessem uma ideia mais precisa do local antes do crime. Não foram encontradas impressões digitais na arma.
- É um objecto fora do normal - pensou alto, mais para o amigo que para os restantes, - não chega a meio metro de comprido.
- É um verdadeiro tesouro de família! - declarou Celso Baleia. - A pistola foi inventada pelo Capitão João Baleia do baleeiro Sant’Ana. Só ele a conseguia disparar. Foi emprestada aqui ao clube há já muitos anos, completa com um arpão sem corda.
- Não pensaram nos riscos de terem aqui uma arma real? - Policarpo dirigia-se ao Sr. Hélder.
- A pistola só pode ser disparada depois da activação de alguns interruptores que estão no topo - respondeu o presidente atabalhoadamente. - A sequência correcta é um segredo da família Baleia, passado de geração em geração. Achei que isso servia como segurança.
Celso Baleia aquiesceu tristemente.
- Estou a ver - Policarpo coçou o queixo pensativamente. - Quem gere o dia-a-dia do clube, Sr. Hélder?
- Eu. Mais uma das minhas funções como presidente.
- O edifício estava trancado quando o cozinheiro e o contínuo chegaram esta manhã. Quem tem chaves para estas portas?
- Para além de mim, só o contínuo, os irmãos Baleia e a Dália. Normalmente o contínuo é sempre o primeiro a chegar.
Jorge levantou-se emprestando as suas notas a Gregório. Reviram silenciosamente os factos constatados. O médico-legal deu como estimativa da hora do óbito as dez e um quarto. A cadeira situada mesmo em frente à lareira tinha uma pequena marca de lama seca no assento. A vítima tinha sido morta perto da porta que dava acesso à secretaria do clube, onde uma gaveta de arquivo estava aberta deixando entrever alguns ficheiros financeiros mal arrumados.
Os “Pê Jotas” sorriram um para o outro. Neves falou abruptamente para os presentes.
- Muito obrigado a todos. Podem ir. Depois entraremos em contacto convosco. Principalmente - sussurrou ao amigo - com o principal suspeito.
- Quem é que os inspectores consideram o seu principal suspeito?
- Quais os fundamentos dessa suspeita?